15 de março de 2012
“Nunca esqueça que quando seu filho é pequeno ele adora histórias...será que é ele que deixa de gostar ou você que deixar de contar?”.
Roda de leitura: perspectivas para a Educação Infantil
“Nunca esqueça que quando seu filho é pequeno ele adora histórias...será que é ele que deixa de gostar ou você que deixar de contar?”.
Roda de leitura: perspectivas para a Educação Infantil
Cristiane da Silva Brandão
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil orienta para a importante necessidade de as crianças se apropriarem das diferentes linguagens, dentro do espaço de seu desenvolvimento, a fim de lhe proporcionar verdadeiras experiências significativas ainda na primeira infância. A construção da identidade e da autonomia deve se dar a partir de momentos prazerosos e lúdicos, respeitando sempre a realidade e o interesse de cada um.
Mikhail Bakhtin (2000) destaca a importância do outro na interpretação que fazemos do mundo à nossa volta quando afirma: “tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formatação original da representação que terei de mim mesmo”. O educador, portanto, precisa nortear sua prática pedagógica através dos mais variados recursos que promovam o desenvolvimento de tais competências, como da linguagem, em nossas crianças, por meio da contação de histórias, dos brinquedos cantados, de dramatizações ou do faz-de-conta etc. É imprescindível que as propostas traçadas valorizem sempre o lúdico, pois, brincando (sozinhas, com outras crianças ou adultos) de diferentes maneiras, ao longo do tempo, a criança vai se constituindo como sujeito único, diferenciando-se do outro, compreendendo valores e noções como cooperação, sensibilidade, imaginação e solidariedade, entre outros.
Brincar é fundamental para o desenvolvimento infantil. O psicanalista Winnicott (1975) acredita que através da brincadeira a criança tem a possibilidade de ampliar o mundo supostamente real, reinventar o mundo do faz-de-conta e incorporar elementos significativos à sua vivência. Dessa forma, o educando passa a construir sua própria significação do mundo em que vive, trazendo uma leitura própria para o mundo à sua volta.
O projeto Roda de Leitura foi desenvolvido com uma turma EI 30 (crianças entre três e quatro anos de idade) da Creche Municipal Sonho Feliz, localizada em Campo Grande, bairro da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. A constatação do pouco contato que as crianças tinham com livros e da perda paulatina de nosso pequeno acervo, num espaço improvisado dentro do refeitório de nossa creche, trouxe o seguinte questionamento: se a maioria das crianças gosta das histórias contadas e algumas até se interessam em trazer suas próprias histórias (livros ou CD) de casa, por que há crianças que rasgam ou amassam nossos livros? O que fazer para valorizar esse espaço de leitura? Consideramos que, através das histórias, é possível criar oportunidades para desenvolver o caráter da criança, a partir da construção de valores, pois essas oportunidades ajudam a buscar nossa identidade.
Assim, tivemos a ideia inicial de desenvolver o projeto Roda de leitura: significando o mundo da Educação Infantil, com o objetivo de trabalhar, a princípio na rodinha (espaço reservado para o início de nossa rotina, para onde as crianças trazem suas novidades e revelam seus interesses), a preservação de nossos livros e o respeito pelas histórias trazidas pelos colegas, elaborando também regras de boa convivência, visto que, nosso projeto político-pedagógico integra Saúde, higiene e comunidade – uma questão de vida com qualidade. Na verdade, ter saúde, no sentido mais amplo, significa enfrentar e ultrapassar constantes limites, expor-se a desafios utilizando e aprimorando habilidades e potencialidades, inclusive adquirindo bons hábitos que influenciam a saúde física, social e mental.
Por outro lado, idealizamos proporcionar a nossas crianças um espaço singular de interação social através das diferentes linguagens (oral, visual, corporal, musical etc.), buscando novos significados e socializando suas próprias significações. Pretendemos desenvolver, ainda, a partir dessa experiência, a rica linguagem do faz-de-conta, explorando a fantasia e a imaginação das crianças, além de desenvolver o gosto pela leitura (mais que um simples hábito de ler) e a atitude de cuidado com o livro, mostrando que este se constitui um patrimônio cultural de todos.
A cada história, uma estratégia; e, a cada estratégia, uma nova magia trazida pelos diversos recursos utilizados. Descobrir junto com as crianças o prazeroso mundo escondido na literatura infantil, cantar, dançar e interpretar pode ser o caminho mais curto para a fantasia.
Ao brincar com as diferentes histórias, a criança se educa e aprende, pois quem não sabe inventar não sabe transformar. Na Educação Infantil, as crianças precisam participar e se envolver com atividades que enriqueçam seu imaginário.
Após escolher e manusear sozinha os livros, cada criança tinha o cuidado de não danificá-los, levando-os para a sala de aula, onde registrava, em forma de desenho, sua leitura. Depois, elas deixavam a imaginação fruir durante a roda de leitura; noutro momento, as crianças inventavam histórias a partir dos objetos retirados da caixa de histórias, viajando num mundo de fantasia e magia.
Acreditamos que “um bom ouvinte de histórias tem grandes possibilidades de tornar-se um bom leitor, e um bom leitor absorve o conhecimento, ampliando-o em todas as áreas de sua vida” (Martinelli, 2000). Desse modo, pudemos destacar e vivenciar dois princípios fundamentais da história: ela tem que transformar quem conta e deve transformar quem ouve.
Nossas crianças passaram a gostar de contar sua própria história e, principalmente, dramatizá-la com encanto, trazendo novas significações e sua leitura para o mundo da Educação Infantil. Nosso lema passou a ser: “Ler, explorar, imaginar, cuidar e guardar!”
Além dos ótimos resultados obtidos, todos da creche foram contemplados, no final do ano, com a instituição da sala de leitura/videoteca (deixando o espaço improvisado), que contou com a doação de um bom acervo de livros infantis e a compra de outros durante a Bienal do Livro.
Tudo isso fez com que as crianças se sentissem ainda mais motivadas na invenção de histórias e envolvidas na hora de ouvi-las. Portanto, temos certeza de que ler é atribuir significados (Paulo Freire, 1996).
Contudo, sem a ousadia, determinação e interesse das crianças, nossa prática educativa não seria eficiente no desenrolar desta experiência bem-sucedida ao procurar desenvolver as diferentes potencialidades das crianças pequenas e oferecer um espaço de experimentações que permita a reflexão e a criação de múltiplas linguagens.
A Educação Infantil é o caminho para a realização de muitos sonhos. Eduque sempre com prazer!
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MARTINELLI, L. C. Um espaço para o imaginário dentro da sala de aula: a arte de contar histórias. Série Espaço Aberto. São Paulo: Espaço Pedagógico, 2000.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
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